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STF: cinco ministros votam contra repatriação imediata de crianças em caso de violência doméstica
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O Supremo Tribunal Federal – STF retomou na quarta-feira (20) o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADIs 4.245 e 7.686, que discutem a aplicação da Convenção da Haia na repatriação de crianças e adolescentes menores de 16 anos trazidos irregularmente ao Brasil. Até o momento, cinco ministros votaram contra a entrega imediata dos menores a pais estrangeiros.
O julgamento foi suspenso e será retomado novamente nesta quinta-feira (21), a partir das 14h, com transmissão pela Rádio e TV Justiça e pelo canal do STF no YouTube.
A análise da matéria começou em 6 de fevereiro, com as apresentações das sustentações orais, e foi retomada no dia 13 de agosto, com o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF. Ele defendeu que a exceção prevista na Convenção – que permite negar a repatriação de crianças em casos de risco grave – seja estendida também às situações com indícios comprováveis de violência doméstica, ainda que a criança não seja vítima direta.
O posicionamento do relator foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Flávio Dino, Cristiano Zanin e André Mendonça.
Na ADI 7686, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM atua como amicus curiae e defende que crianças e adolescentes não podem ser obrigados a voltar para o país de origem quando há casos de violência doméstica, nos quais, muitas vezes, a mãe é a vítima, o que também afeta filhos e filhas, mesmo que de forma indireta. O Instituto, representado pela vice-presidente, a jurista Maria Berenice Dias, apresentou sustentação oral, no Plenário do STF.
Voto do relator
Luís Roberto Barroso votou pela compatibilidade da Convenção com a Constituição Federal. O texto da Convenção prevê que em casos de violação de direito de guarda, a criança ou adolescente deve ser devolvido imediatamente ao país de origem. A exceção, até então, são os casos em que ficar comprovado o risco grave de, no retorno, ela ser submetida a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer modo, ficar numa situação intolerável.
Para ele, contudo, a exceção deve ser estendida aos casos de “indícios comprováveis de violência doméstica”, mesmo que a criança ou o adolescente não seja vítima direta do abuso.
Na avaliação do ministro, a violência de gênero, especialmente quando envolve mulheres migrantes, é de difícil comprovação, uma vez que se dá em espaço doméstico, e envolve o isolamento da vítima de sua rede de apoio, além das barreiras linguísticas, institucionais e culturais.
Assim, a verificação de situação de violência doméstica que justifique a negativa de retorno da criança deve estar lastreada em indícios, elementos objetivos e concretos que confiram verossimilhança e plausibilidade à alegação de risco grave.
Melhor interesse da criança
Ao votar pela validade do Tratado, Barroso ressaltou, contudo, que, em razão da demora na execução de decisões definitivas sobre a restituição ou não de crianças ao país de residência habitual, o Brasil tem sido percebido no cenário internacional como um cumpridor deficitário da Convenção.
Tal demora, disse, compromete a efetividade da Convenção, além de colocar o país em posição desfavorável perante os demais Estados signatários, impactando negativamente sua reputação.
A seu ver, à luz do princípio do melhor interesse da criança, a aplicação da Convenção no Brasil exige a adoção de medidas estruturais e procedimentais para garantir a tramitação célere e eficaz das ações sobre restituição internacional de crianças.
Nesse sentido, Barroso propôs providências como a criação de grupo de trabalho no Conselho Nacional de Justiça – CNJ para elaborar proposta de resolução para agilizar a tramitação dessas ações e a concentração da competência para processar e julgar tais ações em varas federais e turmas especializadas.
Como votaram os ministros?
Na sessão de quarta-feira (20), o primeiro a votar foi o ministro Dias Toffoli, que acompanhou o relator, mas apresentou fundamentação própria ao defender interpretação evolutiva da Convenção da Haia em consonância com a Constituição. Ele destacou que muitos casos de restituição internacional envolvem mulheres migrantes que retornam ao Brasil para fugir de ex-companheiros abusivos, ressaltando a dificuldade de comprovar violência no exterior.
Toffoli afirmou que indícios mínimos, inclusive a palavra da vítima, devem ser suficientes para afastar o retorno da criança, pois a dúvida deve favorecer a proteção da mulher e da criança ou adolescente. Determinou ainda medidas estruturais, como protocolos de atendimento à brasileiras vítimas de violência no exterior, ajustes na Portaria 688/2024 do Ministério da Justiça e atualização da Resolução 449/2022 do CNJ.
O ministro Flávio Dino acompanhou integralmente o relator, mas sugeriu ajustes para adequar a Convenção da Haia à Constituição. Defendeu que o “retorno imediato” não pode ser automático, devendo sempre respeitar o contraditório, a ampla defesa e as exceções previstas no art. 13, a fim de evitar decisões traumáticas para mães e crianças.
Criticou a atuação da Advocacia Geral da União – AGU como substituta processual de genitores, entendendo que seu papel deve ser apenas de orientação, cabendo à Defensoria Pública da União a representação da parte hipossuficiente. Também sugeriu que medidas urgentes só sejam adotadas com contraditório e que a regra de retorno em até um ano seja interpretada como faculdade do juiz, e não obrigação.
Ajustes
O ministro Cristiano Zanin propôs ajustes para definir um rito mais claro no Brasil, apontando que a ausência de procedimento específico gera insegurança e morosidade. Ele sugeriu que o Congresso Nacional edite lei própria, como fez o Uruguai, e aderiu à interpretação do art. 13.1.b, permitindo que casos de violência doméstica contra a mãe justifiquem a não devolução da criança. Zanin também apresentou três cenários práticos para os magistrados após o contraditório: retorno célere quando não há exceção; permanência no Brasil quando a exceção estiver comprovada; e dilação probatória em caso de dúvida razoável.
Além disso, Zanin defendeu que a Justiça brasileira só julgue guarda quando houver exceção à restituição, cabendo ao país de residência habitual decidir nos demais casos, evitando contradições. Propôs ainda interpretação do art. 16 da Convenção para admitir competência brasileira em situações excepcionais, como quando o retorno não ocorrer pelas exceções previstas ou após decurso de tempo razoável sem manifestação do país de residência habitual.
O ministro André Mendonça acompanhou o relator e ressaltou o papel das “mães da Haia” em alertar o Supremo sobre os limites da aplicação automática da Convenção. Para ele, a violência contra a mãe deve ser reconhecida como violência contra a criança, já que os efeitos da agressão impactam toda a família. Mendonça defendeu a criação de protocolos de atendimento às brasileiras vítimas de violência no exterior por meio de consulados e embaixadas, sugerindo que tais medidas se tornem diretrizes obrigatórias da atuação diplomática, endossando proposta apresentada por Dias Toffoli.
O ministro também divergiu parcialmente de Flávio Dino sobre o papel da AGU, defendendo que a instituição pode representar o Estado, mas deve reavaliar sua atuação quando houver evidências claras de violência doméstica ou contra crianças, evitando reforçar abusos sob o pretexto de cumprir a Convenção. Ao final, Mendonça alinhou seu voto às teses do relator e às contribuições de Toffoli e Zanin, defendendo uma interpretação que concilie reciprocidade internacional com a prioridade absoluta dos direitos da criança e a proteção da mulher em situação de violência.
Por Guilherme Gomes
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